quinta-feira, 5 de abril de 2007

GRANDE TEXTO. PARA LER E MEDITAR SOBRE A CONDUTA NOS RECINTOS DESPORTIVOS


Elogio ao árbitro
A Festa Nacional do Basquetebol Juvenil terminou e é agora altura de se fazer o balanço. Muito foi já dito e muito estará ainda por dizer. Vicente Costa (da FPB) deixa-nos aqui um seu contributo, sob a forma de um artigo de opinião - em que o título "apenas" dá o mote: partindo de um elogio ao(s) árbitro(s), o autor faz algumas reflexões com interesse também para os outros agentes da modalidade. Aliás, com interesse para todos os agentes desportivos. Para ler, no desenvolvimento desta "notícia".
ELOGIO AO ÁRBITRO 29, 30, 31 de Março e 01 de Abril de 2007: Festa Nacional do Basquetebol Juvenil Em Portimão reuniu-se a fina-flor do basquetebol nacional, nas idades de iniciados e cadetes masculinos e femininos, para alegremente competirem na busca de um primeiro lugar que todos, à partida, acreditam que devem merecer: é a Maria de Castelo Branco, é o Manel do Algarve, é o António e o Zé de Viana e a Joana e a Filipa de Coimbra; olha o matulão de Setúbal, não é o Carlos? e aquela base de Santarém, oh é a Luísa! E jogam que se fartam! E é uma equipa bestial! E o treinador, o José, está mesmo a procurar dar indicações certas, e… Mas quem são aqueles gajos?! Aqueles, ali, a correrem de um lado para o outro de apito na boca? Aqueles são os que ninguém conhece pelo nome mas que muitos socio-desportivo-culturais diminuídos se arrogam o direito de os baptizar: são os gatunos, os ladrões, são os “vai p’ra casa, malandro”, “ viste ao contrário ó ceguinho!”, “vê lá se aprendes!”. Outros nomes de baptismo com água sebenta que são atribuídos aos tais gajos de apito na boca, reservo-me o direito de não os divulgar aqui. Aliás, são por todos conhecidos e uma repetição poderia ser acusada de plágio. Só não o seria se desse a conhecer a origem, os autores, os baptistas, mas isso levar-me-ia a ter de identificar uma boa e significativa parcela dos frequentadores de estádios, recintos desportivos, e outros locais onde a requintada falança lusitana faria inveja a Gil Vicente. Não. Não divulgo.

Regressemos então á Festa. Não me é possível relembrar todos os que se entregaram com amor desinteressado à organização, no desempenho de tarefas, acompanhamento de cerca de 900 atletas, permanente presença de autarcas, dirigentes de clubes, associações, escolas e seus funcionários, motoristas e essa novidade de excelência de um comboio oferecido para viajar de Norte a Sul e de Sul a Norte; e o pessoal da Portimão Arena; e a vontade de rectificar de imediato o que surgia menos correcto; e todo um universo de simpatia e boa-vontade que se entranhou em todos por virtude de todos e que transformou as pesadas e difíceis, algumas, tarefas em um outro universo de sorrisos, boa disposição e alegria. A Festa que se desejava foi uma Enorme Festa!

E agora regressamos ao título desta conversa: Elogio ao Árbitro. Os tais gajos. Companheiros inseparáveis e imprescindíveis nesta e noutras festas. Amigos de muitos dos jogadores e até familiares de alguns deles. Alguns com outros compromissos, que puseram de parte para estarem presentes. Outros com licenças excepcionais para se ausentarem do trabalho ou de tarefas várias, para naquele período estarem presentes. Todos jovens e com vontade de colaborar na Festa. E agora vão dizer-me: “não admira, vão todos ganhar uma pipa de massa! Até eu ia…” Na realidade, os árbitros e oficiais de mesa em acção nos quatro dias de Portimão, ganharam… zero. E para ganharem zero, foram convidados/convocados/nomeados para a árdua tarefa de, em cerca de 200 jogos, julgarem os desempenhos técnicos e erros de cada um ou de cada uma, com a bola ou sem ela; julgarem as faltas atacantes e as do defensor; decidirem “na hora” se foram ou não passos; se a falta aconteceu durante o lançamento. Enfim, julgarem as múltiplas situações que constituem um jogo de uma das mais complexas modalidades desportivas que se conhecem. E procuram julgá-las com acerto. Mas… a cada apitadela, um coro de assobios e impropérios! Faça-se então o equilíbrio entre uns e outros. A cada passe mal feito que um atleta faça, assobiadela; a cada lançamento falhado, assobiadela; a cada drible mal protegido, “vai p’ra casa, malandro!”; a cada perda de bola, “vê lá s’aprendes, ó meu…”; em plena falta atacante:”não sabes mudar de direcção, desgraçado!” (Traduza-se malandro, as reticências e desgraçado pelos impropérios que aqui não são divulgados…) E por aí fora. Isto, quanto a jogadores. Então, e os treinadores? Que é feito dos ensinamentos, conceitos e princípios que se adquirem nos cursos, nas reciclagens, nos clinics? Será necessário incluir nas diversas e variegadas acções de formação um tema que em cada dia se torna mais premente abordar: as relações humanas? O respeito pelo jogador não faz parte da cartilha do treinador? Um célebre treinador norte-americano disse um dia: “tenho pelos meus jogadores o mesmo respeito que eles têm por mim”. Não haverá um jogador português de nomeada que inverta a situação e fique na história, afirmando: “tenho pelo meu treinador o mesmo respeito que ele tem por mim?” Paralelamente, não existirá um árbitro de grande prestígio, passado, actual ou futuro, que afirme convictamente e sem qualquer hesitação, e não se afastando um milímetro da verdade, que nunca, nem antes, nem agora, nem futuramente, “um árbitro faltou ou faltará ao respeito a um treinador, como um treinador já o faz a ele?” Aguardemos, a ver se mudamos a agulha da linha de conduta. Mas ainda temos os dirigentes… Como é possível? Como, diabos me levem! ainda é possível?! Uma ou outra actuação bem negativa em relação aos árbitros, felizmente, são as raras excepções. Mas mesmo essas excepções têm de entrar decididamente no bom comportamento universalmente aceite e não criarem escola com os seus exemplos. Porque como é sabido, os maus exemplos são os mais fáceis de seguir, e mais quando vêm de cima. Voltemos à Festa.

E voltamos com gosto! “Lamento que tenha terminado” foi frase que se ouviu e que traduz bem o estado de espírito que se apoderou de cada um de nós e a emoção fortemente sentida no último acto do acontecimento. Mas também uma vincada tristeza. Uma assobiadela injusta, não só pelo momento que se vivia mas principalmente porque os honestos e competentes, embora um ou outro menos experiente, companheiros árbitros a não mereciam. Se é tradição ofender o árbitro, acabemos com uma tradição que nos envergonha. Se é falta de educação ou de princípios, reciclemo-nos todos, com urgência! É que a próxima Festa é já a seguir e, como tudo indica, na mesma Portimão que nos recebeu agora de braços abertos e de forma que não esquece. Iniciemos então os treinos do comportamento em todos os campos de Basquetebol do espaço nacional. Em cada campo, em cada jogo, em cada prova, em cada escalão etário, todos nós, dirigentes, jogadores, árbitros, treinadores cuidando de nós próprios e dando exemplos favoráveis a uma formação bem diferente para melhor, dirigida ao público que nos observa e que pode, e deve, alterar a sua atitude, influenciado pelo nosso comportamento. Uma Festa tão bela, de tão grande dimensão, não pode incluir nem um senão, nem sequer um mas. Só tem de transbordar de beleza, alegria, amizade, companheirismo. O Basquetebol é isso mesmo. E o Árbitro também é Basquetebol.

(artigo de opinião de Vicente Costa, retirado do sítio da FPB)